1. Como é que surgiu a ideia de fundar a associação, em 1994, de apoio gratuito a vítimas de stress pós-guerra?
“A ideia parte do fundador, que é o presidente da Assembleia Geral em Portugal, o Doutor Afonso Albuquerque, é um psiquiatra de renome que tem vários livros publicados. Foi a primeira pessoa a desenvolver um trabalho sobre stress pós-traumático ou perturbação pós stress traumático em Portugal, começou a atender no Hospital Júlio de Matos os ex-combatentes ainda nos anos 80. Foi através do Dr. Afonso Albuquerque, Fábio Lopes que foi psicólogo também no Hospital Júlio de Matos e um grupo original de psicoterapia comportamental desse hospital onde surgiu a ideia da criação de uma associação. Foram os ex-combatentes que decidiram lutar pelos seus direitos e fundar uma associação que começou no Júlio de Matos, de baixo de um vão de escada, de ex-combatentes especifica de stress de Guerra. A primeira associação que também tinha uma vertente de stress de guerra foi a ADFA. O stress de guerra é uma doença escondida, não visível, por exemplo podemos ver uma pessoa com idade para ter estado na guerra que não tem um braço ou uma mão e podem imaginar que aquela pessoa foi ferida em combate na guerra colonial mas se virmos uma pessoa que não tenha sequelas físicas dificilmente vão adivinhar que a pessoa tem sequelas mentais. Como não é tão visível foi alvo de discriminação, tanto que só em 2007 é que foi reconhecido como uma incapacidade a 100%, já era reconhecida antes mas com uma percentagem mínima. O stress pós traumático pode ser adquirido por pessoas que sofreram um acidente ou que trabalham no INEM só que o stress de guerra é diferente e incide na população que foi combatente.”
2. Quantas mais associações é que existem de apoio aos ex-combatentes que sofrem de stress de guerra?
“São cinco, são todas no norte e da margem sul para baixo não existe nada. Existe a APOIAR e a ADFA em Lisboa. No Porto á a ADFA, em Braga PVG e a APU que é a associação portuguesa do Ultramar. São tudo associações ex-combatentes normais só que desenvolveram corpo clinico e com conseguiram um protocolo com o Ministério da Defesa para o apoio aos ex-combatentes que se chama a rede nacional de apoio, mas esta rede só existe desde 2002 cuja legislação reconhecida oficialmente pelo Estado através da lei 50 que reconheceu que os ex-combatentes que estiveram em combate na guerra do ultramar podem ter sido alvo de determinadas situações em que desenvolveram problemas psicológicos. A Liga do Combatentes é a maior associação de ex-combatentes de Portugal, mas é uma coisa ainda muito militarista e que está ligada directamente ao Estado, não é independente. A importância dada ao apoio psicológico em Portugal não era nenhuma e só á coisa de 7 ou 8 anos é que o Estado percebeu que tinha de começar a ajudar as pessoas; até porque nunca se fez um levantamento dos números da doença a sério, existe um estudo do Dr. Afonso Albuquerque mas é uma extrapolação de números através dos estudos que foram feitos na guerra do Vietname, através da percentagem de incidência. “
3. Quantos sócios têm a associação?
“Tem 300 utentes mas tiveram 600 mil homens durante 15 anos em combate e mesmo assim á alturas em que estamos lutados.”
4. Já que é uma associação de apoio gratuito, qual é a vossa fonte de rendimento?
“O Ministério da defesa é a entidade financiadora da associação, através do protocolo da rede nacional de apoio, que semestralmente financia mas também controla as actividades e consultas de cada associação que esteja integrada na rede nacional de apoio. A rede nacional de apoio é o conjunto das associações que fizeram um protocolo com o Ministério da defesa nacional a rede de saúde e hospitais, só que esta rede, imaginem uma teia de aranha tem um início e nunca mais chega ao fim. Assim, quem são a rede nacional de apoio são as associações que depois trabalham ou deveriam trabalhar com os centros de saúde e hospitais. Existe, mediante a apresentação de projectos e a aprovação, uma pequena parcela do instituto nacional de reabilitação.”
5. Que doenças é que podem aparecer como consequência do stress pós-traumático?
“Várias demências degenerativas. O stress pós-traumático quando não é detectado com antecedência leva a que apareçam lapsos de memória, o chamado deja vu, as pessoas começam a fugir da realidade e por não estarem medicadas e associadas a outras doenças apresentam um quadro de demência gravíssimo. Á medida que o tempo passa torna-se mais difícil de diagnosticar.”
6. Existem pessoas que mesmo sofrendo de stress pós guerra não sabem ou não admitem que têm um problema, como é que fazem para os convencer de que necessitam de ajuda?
“Normalmente são as suas mulheres que nos vêm pedir ajuda, ou por violência doméstica, ou porque a pessoa está mais agressiva, não está bem e não dorme bem. As mulheres são muito boas a “manipular” os maridos chamando-os á atenção para certas situações, dizendo que podem precisar de ajuda apenas durante um determinado período de tempo. Eles são muito difíceis de dar a volta, em algumas situações temos de falar com o médico de família e outros chegam a tribunal, em que o juiz lhes dá uma ordem de terem de fazer tratamento. Outras vezes, são eles sem que a própria família saiba que vão á associação dizendo que não estão bem e quando são eles temos de lhes dar logo atenção.”
7. Por norma, qual é o período de tempo necessário para o apoio psicológico?
“Não sabemos, uns 4 ou 5 anos, mas varia de caso para caso. As pessoas que sofrem de stress pós traumático não se tratam, apenas se controlam. As consultas vão aumentando o seu tempo de intervalo. Pode acontecer, durante o tratamento a família ser chamada pois por vezes esta não está a ajudar, ou seja, pode estar a contrariar o próprio tratamento e acompanhamento, principalmente, as mulheres que não conseguem compreender e, normalmente, quando ele está melhor ela piora e vice-versa.”
8. Quais são os métodos de apoio e/ou tratamento que fornecem?
“São através de medicação e apoio psicológico, ou seja, tratamento e acompanhamento. Quando estão mais controlados não têm crises, pode é ocorrer do nada, parecer que está tudo calmo, e surgir imensos casos. Nem todas as pessoas fazem acompanhamento e tratamento algumas fazem apenas acompanhamento, outras tratamento.”
9. Que tipo de apoio é prestado aos familiares ou pessoas próximas destes ex-combatentes?
“Neste momento, embora o protocolo não reconheça, ou seja, não está legislado, o Ministério da Defesa, casualmente, autoriza a que as associações recebam também os familiares e dêem apoio ao mesmo tempo que dão ao utente, é uma espécie de reconhecimento mas +e dado apenas casuisticamente. A instituição recebe sempre os familiares mas é claro que não é de graça pois o Estado nem sempre reconhece essa ajuda e a associação tem de pagar aos psicólogos. Segundo o estudo da Dr. Susana Oliveira, psicóloga clinica da associação, existe a perturbação pós stress traumático secundário que ainda não foi considerada como doença mas existe e muitas vezes as senhoras são portadoras de doenças, como por exemplo depressões devido á convivência com, nestes casos, o marido. Em muitos casos existem também filhos que são portadores também de perturbações da personalidade devido á convivência com o pai. Parece que não contagia mas as pessoas vão apanhando algumas perturbações através da convivência com estes doentes.”
10. Provavelmente já ocorreram na associação algumas situações insólitas, poder-nos-iam dar algum exemplo?
“Já tive de ir atrás de um doente, á uns anos atrás, o senhor entrou muito bem na associação, pedi ajuda a uma colega psiquiatra porque ele estava a ter episódios psicóticos pois ele estava a falar comigo como se eu fosse uma enfermeira, chamei a psiquiatra e ele quis bater-lhe, ele fugiu e eu sai da associação e encontrei-o escondido e fiquei a conversar com ele, entretanto chamamos a polícia, eles chegaram conseguiram levá-lo até á ambulância e aí o dois policias desmaiaram, porque estavam com baixa tensão, e então a psiquiatra em vez de estar a tratar do senhor estava a tratar dos policias. O senhor acabou por ir para o hospital e ficou internado três meses, estava a ter delírios. Outro senhor também durante uma consulta de psiquiatria levantou-se e disse qualquer coi á psiquiatra que ela não percebeu e disse “repita” e ele responde “sim, meu oficial o que é que deseja?”.“
11. No presente ano comemorou-se, no dia 4 de Fevereiro, os 50 anos do início da guerra colonial, a associação realizou ou irá realizar alguma actividade?
“Não, porque isso é um bocado complexo, em relação aos ex-combatentes existem aqueles que combateram e acreditam que combateram por uma causa e depois existem os outros que acreditam que foram obrigados a lá ir e então a nossa associação e a maior parte tentam não tomar partido. Nós ao comemorarmos os 50 anos da guerra colonial podia fazer com que muita gente entendesse que estaríamos a festejar quando a maior parte das pessoas que temos aqui davam a vida para não ter lá estado.”
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